domingo, 3 de agosto de 2008

Entrevista / Hermano Penna

Brasil universal


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Hermano Penna no set de Olho de Boi
© Iatã Canabrava



Como surgiu a idéia de filmar uma história trágica que, ao mesmo tempo, é universal e fala do interior do Brasil?


Quando li o roteiro do Marcos Cesana, eu vi o sertão de Guimarães Rosa, vi o sertão mineiro. O Cesana, além de ator muito talentoso e conhecido, escreveu este roteiro para atores. Para mim o mais atraente foi a beleza do texto. Este foi um filme em que deixei de lado muitas das minhas preocupações de fazer um ‘cinema comprometido’, que retrata a realidade do Brasil, o que seria minha tendência natural. Sempre me considerei um descendente direto do Cinema Novo. Neste filme, fiz diferente. Quis fazer algo simplesmente bonito, estético, trabalhando a verve teatral da história, já que inicialmente este roteiro seria uma peça de teatro.



Como equilibrar cinema e teatro?


Na melhor entrevista que dei quando fiz o [filme] Sargento Getúlio, falei muito sobre meu encantamento com o teatro. Cheguei mesmo a dizer que o cinema era uma arte passageira, que o teatro era a grande expressão de uma civilização. O trabalho do ator de corpo presente sempre me impressiona.


Daí a criação de cenários que são verdadeiros palcos cinematográficos, como a Igreja em que toda a ação começa?


Exatamente. Criei praticamente um palco italiano onde a história se desenrola. Toda a mise em scène responde a uma decupagem muito suave, quase bressoniana. Um filme de pouquíssimos cortes. Há muito o que acontece e não está na tela.


Como o texto do Marcos Cesana chegou até você?


Há muito tempo, o Cesana me procurou para palpitar no roteiro, com a visão de cineasta que tenho. Ele estava começando a adaptar esta história para o cinema. Eu na época estava tocando muitos projetos e não pude contribuir muito. Li o roteiro, conversei com ele, mas ficou nisso. O tempo passou até que foi aberto um concurso de baixo orçamento. O filme havia ficado na minha cabeça. E me lembrei dele. Era um texto bonito, belos diálogos. E perguntei a Cesana se ainda estava livre. Assumi que não mudaria o texto

original, impondo a mim mesmo esta disciplina. Minha contribuição ficaria na parte cinematográfica. Os poucos diálogos que mudados foram reconstruções dos atores.



Quis fazer algo simplesmente bonito,

trabalhando a verve teatral da história



Há uma comparação inevitável, um paralelo, entre Olho de Boi e Sargento Getúlio.



Exatamente. O Sargento Getúlio, por exemplo, é baseado em um grande livro do João Ubaldo Ribeiro, mas é um roteiro que eu escrevi e tem alguma coisa minha. Olho de Boi não foi escrito por mim. A priori, não deveria ter tanto a ver com o que eu escreveria, mas fiquei impressionado com algumas semelhanças entre os dois filmes depois de ver o Olho de Boi pronto. Estão ali o patriarcalismo, o machismo, a fraqueza que se esconde atrás de uma brutalidade inicial.


Há também sua eterna pesquisa sobre a alma do brasileiro? O caráter do “Brasil profundo”?


Eu sempre brinco que ainda não consegui chegar na cidade e que, quando isso acontecer, vou chegar pela periferia. Mas vou chegar. É uma questão de, além de ter nascido em uma cultura interiorana muito forte - sou do Carirí, no Ceará. Sempre me dediquei a querer conhecer e retratar o Brasil. Viajei muito pelo País a bordo de caminhão, barco, trem quando existia. Conhecer o Brasil é uma aventura a qual eu me dediquei na vida. Meus filhos sempre brincam que se eu não fosse cineasta, seria fiscal de estrada.


Como foi apresentar Olho de Boi em um festival como Gramado? E como está sendo finalmente trazê-lo ao público?


A recepção em Gramado, independentemente de prêmios ou não, foi muito interessante. O que me deixou muito feliz foi a reação de quem faz cinema ao filme. Todos receberam com muito carinho. Espero agora que o público receba com o mesmo carinho e se abra para entrar no universo do filme.

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