sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Clipping virtual - Entrevista com Hermano Penna

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Leia a entrevista do diretor Hermano Penna concedida ao jornalista Alain de Faria para a Revista Trópico.


Sertão universal

Por Alan de Faria


Os atores Gustavo Machado e Genésio de Barros no filme
"Olho de Boi", de Hermano Penna
Iatan Canabrava/Divulgação

O diretor Hermano Penna volta ao longa com “Olho de Boi”, filme inspirado em “Édipo Rei” e Guimarães Rosa

A tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles, e o sertão de Guimarães Rosa se encontram em “Olho de Boi”, novo longa-metragem do cineasta cearense Hermano Penna. Ambientado em um tempo e espaço indeterminados, o filme conta a história de dois peões de uma fazenda de gado, Cireneu e Modesto, que entram mata adentro em busca de vingança. Modesto quer recuperar a sua honra, ao ser informado de que a mulher o trai, no roteiro assinado por Marcos Cezana.

"Olho de Boi" concorre ao prêmio de melhor longa no Festival de Gramado, que acontece entre 12 e 18 de agosto. Penna é diretor de “O Sargento Getúlio” (83), um dos filmes brasileiros mais bem-sucedidos dos anos 80. Baseado no livro homônimo do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, o filme ganhou uma série de prêmios em festivais, como o de Gramado e o de Locarno (Suíça).

Na entrevista a seguir, Penna, que já dirigiu quatro longas, lamenta o fato de os cineastas brasileiros ficarem muito tempo sem filmar. “Veja só a Laís Bodanzky. Depois do excelente filme ‘Bicho de Sete Cabeças’, lançado em 2001, somente neste ou no ano que vem, vamos poder ver um outro filme dela (“Chega de Saudade”)”, disse o diretor, na produtora Luz21Olho, onde mixava o som de “Olho de Boi”, que será lançado comercialmente no próximo ano. Trópico assistiu ao filme com exclusividade.

Penna também falou a respeito da relação entre TV e cinema e atacou a dominação dos blockbusters nas telas. “Talvez sejam necessários estudos e leis para saber como eliminar essa dominação. Você não pode deixar dois ou três filmes ocuparem 70% do mercado”, afirmou.

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Como surgiu a idéia de fazer “Olho de Boi”?

Hermano Penna: Marcos Cezana pediu para eu palpitar sobre o roteiro do filme que ele tinha escrito. E, ao lê-lo, achei muito interessante a agilidade dos diálogos. Tivemos dois encontros, mas, basicamente, falei pouca coisa sobre o roteiro.

À época, eu estava muito ocupado com outros trabalhos. Depois, percebi que o roteiro se encaixava muito bem no Concurso de Filmes de Longa-Metragem de Baixo Orçamento, do Ministério da Cultura (MinC) (o filme foi um dos vencedores do concurso, em 2004). Além disso, interessei-me pela história por questões estéticas: queria fazer um filme no qual poderia esquecer um pouco das minhas preocupações, vamos dizer, sociais.


Percebe-se em “Olho de Boi” a opção de utilizar planos estáticos, ou seja, o uso da câmera parada, acentuando a posição de observador do espectador, o que remete, inclusive, ao título do filme.

Penna: O uso da câmera parada foi intencional, pois queria fugir do naturalismo e também marcar um certo distanciamento em relação à emoção vivida pelas personagens. Esta característica é bastante presente em meu cinema, desde “O Sargento Getúlio”, no qual a música não exerce a função de carregar de emoção a cena. É uma vontade, vamos dizer assim, de distanciar o espectador de determinadas emoções com o intuito de mostrar que aquele fato é normal, universal.

“Olho de Boi” aproxima-se da tragédia “Édipo Rei”, mas não é uma adaptação fiel do clássico grego. É influenciado pela representação das tragédias no cinema grego, sobretudo pelos cineastas gregos Michael Cacoyannis e Theo Angelopoulos, que são dois diretores que me fazem sair de casa para ir ao cinema. O filme é marcado pelo teatro e pelo distanciamento.


Como foi a preparação do elenco?

Penna: Depois de fazer testes com atores, eu cheguei à dupla Genésio de Barros (Modesto) e Gustavo Machado (Cirineu), por achar que ali havia uma química perfeita. Completam o elenco do filme Angelina Muniz e Cacá Amaral. Nós fomos para uma fazenda, onde ficamos por uns dez dias. Lá, isolados, conversamos sobre o roteiro e trabalhamos a linguagem dos personagens, mas foram os próprios atores que os criaram. Em minha opinião, o diretor dá apenas uma unidade ao trabalho do ator. As filmagens duraram somente três semanas.


Em nenhum momento do filme fala-se o ano e o local onde se passa da história. Por quê?

Penna: A intenção é universalizar a história. Tanto assim que a música utilizada não é regional, não marca um determinado lugar, ajudando na invenção de um sertão, como o escritor Guimarães Rosa fez em muitos de seus textos.


Falando em Guimarães Rosa, o seu trabalho parece bastante influenciado pela literatura.

Penna: Engraçado, na verdade o que mais me influencia é o cinema mesmo. Eu sou uma pessoa que tem profunda dificuldade em ler livro porque, se for aquela literatura em que o autor começa a descrever a sala, eu paro. Minha leitura é rápida, porque com três anos de idade, eu comecei a ver filmes e só fui aprender a ler aos quatro anos.

Era um problema para a minha família, porque os gerentes do cinema não queriam me deixar entrar, e meu pai tinha que ir comigo. Caso contrário, eu cometia desatinos. Fui ligado ao cinema desde sempre.

No campo da literatura, o gênero poesia é o que mais me atrai, além, é claro, dos clássicos, como Guimarães Rosa, João Ubaldo e Antonio Torres. Este, inclusive, quer que eu faça um filme baseado no livro “Esta Terra”, de sua autoria. Já estamos em fase de discussão de alguns pontos.


Você assistiu à adaptação do romance “A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna, para a televisão, dirigida por Luiz Fernando Carvalho?

Penna: Eu confesso que foi realmente uma adaptação muito bonita: longe de mim falar mal do Luiz Fernando Carvalho, que fez o magnífico longa “Lavoura Arcaica”. Ao mesmo tempo, achei que foi muito enfeite, muita pirotecnia, para pouco conteúdo.

O que eu senti foi o seguinte: você vê uma hora de audiovisual na programação da televisão. Mas, e depois? Que personagens foram aqueles? De onde vieram? As pessoas acham um trabalho muito artístico, mas há uma mão pesada sobre aquilo. Eu me pergunto: o que tudo aquilo quis contar? Mas não posso falar com autoridade porque não assisti a todos os capítulos. Ficou somente na primeira impressão.


Você já dirigiu uma série de documentários para a televisão e, inclusive, fez especiais para o “Globo Repórter”. Com a exibição de “A Pedra do Reino” numa emissora de comunicação de massa, houve uma série de questionamentos sobre se é possível fazer produtos de qualidade na TV. Qual é a sua opinião a respeito?

Penna: Existem “n” televisões brasileiras. Acho um absurdo generalizá-la, assim como generalizar o cinema americano ou o francês. O cinema francês é bom? Quem falou isso como verdade absoluta? São dois ou três filmes realmente bons lançados a cada ano. A mesma coisa acontece na televisão brasileira.

Há uma visão distorcida no Brasil que é dizer que o cinema brasileiro agora é televisivo. As pessoas esquecem que a segunda geração que fez a televisão no Brasil veio do cinema. Aliás, o que difere a novela brasileira é a cinematografia que foi levada para a TV. Por que internacionalmente se vê uma diferença na novela nacional? Porque você tem um Carlos Manga, um Daniel Filho, profissionais que vieram do cinema. A primeira geração da televisão veio do rádio, da palavra. A segunda geração veio do cinema.


Quais são suas expectativas quanto ao público de “Olho de Boi”?

Penna: A maioria das pessoas diz que não serão muitos os espectadores que irão assistir ao “Olho de Boi”. De qualquer maneira, eu tento tocar as pessoas por meio da história do filme, pela emoção, pelo drama... É impossível saber o que elas vão sentir. Quando a gente faz um filme, não pensamos no público. Eu concordo com Fellini, quando ele diz que, ao dirigir um filme, está tão preocupado com a luz, com a roupa, que, se se preocupar com quem vai ver, acabará enlouquecendo.

Sou da opinião de que existem filmes para todo tipo de público. O negócio é fazer os filmes circularem, você colocá-los à disposição. Não tem que existir uma fórmula para produzir determinado filme com a intenção de alcançar um determinado público. Isto, se ocorrer, é suicídio cultural e industrial. Quem acreditava que “Dois Filhos de Francisco” (de Breno Silveira, que levou aos cinemas mais de 5 milhões de espectadores), um filme caipira, iria bater recorde de público?


A respeito da circulação dos filmes, na cidade de São Paulo, entre os meses de maio e junho, 70% das salas de cinema eram dominadas pelo filmes “Homem-Aranha 3”, “Piratas do Caribe - O Baú da Morte” e “Shrek 3”.

Penna: Isto é o absurdo do absurdo. É preciso criar um sistema que, de repente, impeça de tirar um filme de terminada sala, caso ele esteja atraindo a média de público daquele local. Ou talvez sejam necessários estudos e leis para saber como eliminar essa dominação dos blockbusters. Você não pode deixar dois ou três filmes ocuparem 70% do mercado.


“O Sargento Getúlio” foi o primeiro longa que você dirigiu e com o qual ganhou uma série de prêmios em festivais, como o de Gramado e de Locarno. Qual a importância dos festivais?

Penna: Participando de festivais de prestígio, cria-se uma relação mais amigável com a crítica. Além disso, obtém-se mídia, uma divulgação gratuita do longa. Embora isso seja também uma faca de dois gumes: se o filme for bem aceito, ele vai embora sozinho; caso contrário... Então, é muito importante essa mídia paralela. Devido à exibição de “O Sargento Getúlio” em festivais, tive duas páginas na revista “IstoÉ” e uma na “Veja”. Muito mais do que prêmios, queremos a mídia nos festivais.


Antes do lançamento de “Carreiras”, de Domingos de Oliveira, no cinema, o filme foi exibido no Canal Brasil. Segundo o diretor, foi uma estratégica de divulgação. O que achou da atitude dele?

Penna: Vale dizer que se trata de um belo filme: para mim, o melhor longa do Domingos de Oliveira. Bom, a estratégica dele está correta, visto que “Carreiras” é uma produção bastante autoral. Além disso, por ter sido exibido no Canal Brasil, que é uma emissora a cabo, isso não compromete muito no resultado final do público.

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